ARTIGO: Afinal, por que toda essa importância atribuída à taxa de juros?

por Paulo Kliass

Fonte: http://www.cspb.org.br/fullnews.php?id=17050_artigo-afinal-por-que-toda-essa-import-ncia-atribu-da-taxa-de-juros.html

“Enquanto não acertarmos o fiscal, será muito difícil os juros caírem”.  (J. Levy, em 29.09.15)

Vira e mexe, o Ministro Joaquim Levy se vê como que denunciado pela própria sinceridade em seus pronunciamentos. E com isso termina por deixar mais transparentes suas reais intenções para com a condução da política econômica do governo.

No início da semana, mais uma vez, ele se deixou trair pela espontaneidade e reconheceu que a política monetária não será alterada enquanto o equilíbrio fiscal não for alcançado. Ele já tinha feito outras intervenções nessa mesma linha, como a fala em março desse ano. Uma loucura!

Na verdade, trata-se de um reconhecimento explícito de que as taxas de juros continuarão na estratosfera enquanto as despesas orçamentárias com saúde, educação e previdência social não forem cortadas aos níveis que permitam a continuidade do pagamento assegurado dos juros associados à rolagem da dívida pública com recursos do Orçamento da União. Achou meio esquisito e tautológico esse raciocínio? Pois então, esteja seguro de que você o compreendeu perfeitamente. É assim mesmo que opera a lógica do financismo exacerbado!

Mas para compreender melhor essa questão, é recomendável que voltemos um pouco no tempo. Afinal, por que toda essa importância atribuída à taxa de juros? Em 1994, com a edição do Plano Real, o discurso neoliberal tonifica o principal argumento para o juro oficial elevado: ele seria um dos componentes do tripé da política macroeconômica. Para garantir a trajetória declinante da inflação, depois de tantas tentativas fracassadas nos planos anteriores, o País tinha que aceitar aquele sacrifício imposto e se deixar atingir pelos efeitos nefastos da taxa de juros oficial elevada.

Essa seria uma das dimensões importantes do conjunto da política econômica: a política monetária. Ela contribui para que se mantenha sob controle a quantidade de moeda e de recursos monetários na economia e na sociedade. E um dos instrumentos que o governo tem a seu dispor para implementar a política monetária vem a ser justamente a taxa referencial de juros, que deveria orientar a formação das taxas de juros nas demais cadeias econômicas, em especial as taxas praticadas pelos bancos e demais instituições do sistema financeiro. No caso brasileiro, estamos falando do Comitê de Política Monetária (COPOM) e da taxa conhecida taxa SELIC.

Taxa de juros e inflação.

Mas qual seria a lógica a embasar tudo isso? Em resumo, o que se pode afirmar é que os manuais de macroeconomia tradicional apontam a necessidade de se aplicar uma política monetária rígida e contracionista para combater os riscos de inflação.

O modelo que oferece os fundamentos para tal proposição é a suposição de que os preços tendem a subir em razão da existência de um excesso de recursos de demanda que pressionam a estrutura de oferta. Em um raciocínio simplificador, tudo se passaria como se houvesse uma grande pressão compradora, que por sua vez não encontraria a correspondência necessária em termos de disponibilidade da estrutura vendedora. Com esse descompasso, haveria uma tendência de alta dos preços de uma forma generalizada, a inflação. E com isso estaria sendo prejudicada a busca do equilíbrio “natural” das forças de oferta e demanda, sempre em uma situação de harmonia idealizada.

Com essa elevação da taxa de juros forçada pelo governo, haveria um estímulo aos agentes econômicos (indivíduos e empresas) para orientarem uma parcela de seus recursos em direção aos inúmeros mecanismos de poupança e não apenas para o consumo. A lógica racional desse tipo de comportamento seria postergar o consumo e optar pelo recebimento imediato de mais recursos derivados de maior rentabilidade financeira proporcionada pela elevação dos juros. Com esse arrefecimento da onda consumista, haveria menor pressão de demanda sobre a oferta e os preços gerais seriam diminuídos. Como conclusão, estaríamos frente a um cenário de menor inflação. Bingo!

Ocorre que o mundo real é muito mais complexo do que os modelos podem imaginar. Há um enorme debate conceitual e empírico, por exemplo, a respeito de tal avaliação. Isso porque muitos estudiosos consideram que a dinâmica inflacionária nem sempre é causada apenas por excesso de demanda. Ou seja, poderia estar em curso um fenômeno mais associado à chamada “inflação de custos” e o remédio de juros elevados seria inócuo nesse caso. Durante a década de 1960, o economista Inácio Rangel escreveu um importante livro a esse respeito, “A inflação brasileira”. É uma importante contribuição da chamada “escola estruturalista”, que serviu para enfrentar o debate com os monetaristas em sua época.

De acordo com essa visão alternativa e não ortodoxa, não seria suficiente a manutenção de juros elevados, pois as razões para o crescimento dos preços não estariam apenas na pressão de demanda. É o caso daquilo que o economês chama de “preços administrados”, como os atuais reajustes de tarifas de energia, transporte, preços de combustíveis e outros. Ou então a elevação de preços derivada de desvalorização cambial, quando um conjunto expressivo de fatores importados sobem de preço e impactam a inflação geral. Ou ainda temos as pressões associadas à sazonalidade, cujo exemplo mais recente foi a pitoresca inflação do tomate.

Apesar de todos esses obstáculos e evidências, o fato é que o financismo conseguiu impor a sua lógica a toda a sociedade. Mantivemos nossa SELIC nas alturas por esse tempo todo sem nenhuma necessidade para tanto, com o único intuito de assegurar a drenagem de recursos para o sistema financeiro. Essa é a razão, aliás, para que o superávit primário tenha se convertido em aspecto intocável de estratégia fiscal e que fosse considerada como “responsável” pelos meios de comunicação, sempre dominados pelo sistema financeiro. Qualquer tentativa que escape ao menu, é imediatamente desqualificada como medida demagógica, populista e irresponsável.

Taxa de juros e déficit fiscal.

No entanto, o contexto mudou. Face a um quadro de recessão das atividades econômicas como o atual, à perversidade da taxa de juros elevada veio se somar sua ação contra a retomada do próprio crescimento econômico. Ou seja, a SELIC nas alturas revela-se um tiro no pé da recuperação da atividade, do emprego e da renda.

E aqui entra o pulo do gato: a capacidade de acomodação do discurso das finanças a cada conjuntura diferente e adversa. Com isso, a narrativa oficial passa a incorporar, de forma sutil, uma novidade em defesa da política monetária do austericídio. A taxa de juros não está mais associada apenas à necessidade de se manter a inflação sob controle. A retórica muda de rumo e a taxa de juros passa a se justificar pela necessidade de se buscar o equilíbrio fiscal. Haja malabarismo na argumentação!

O interessante a observar é que nada se fala respeito do FED ou do BCE, que mantêm suas taxas de juros próximas de zero. E todos estamos cansados de saber que as dificuldades fiscais dos Estados Unidos e da União Européia são enormes, apresentando números e índices muito mais expressivos que os nossos. No discurso do financismo, essa incoerência não parece ser um problema. Aliás, ao que tudo indica não se ouvem clamores exigindo que aquelas autoridades monetárias devam elevar suas respectivas taxas de referência.

Isso significa dizer que a nossa sociedade deve estar preparada para continuar sustentando o nada glorioso título de campeã mundial no quesito “taxa oficial de juros”, pois o imbróglio fiscal não terá solução a curto prazo, como tentavam nos enganar os defensores do ajuste liberal conservador. Pelo contrário, o sacrifício deverá ser mais duradouro do que o prometido, caso não seja alterada a lógica de busca de meta exagerada de cumprimento do superávit primário. Juros elevados e dívida pública em elevação representam a receita para o coquetel explosivo.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.– See more at: http://www.cspb.org.br/fullnews.php?id=17050_artigo-afinal-por-que-toda-essa-import-ncia-atribu-da-taxa-de-juros.html#sthash.PKdkfJ8i.dpuf