A discussão em torno da previdência social no Brasil nos últimos anos vem sendo caracterizada pela controvérsia sobre a existência ou não de uma crise financeira e qual seria o tipo de reforma necessário para superar o problema. O debate cotidiano, no âmbito das políticas públicas e na mídia, é marcado pela apresentação de um elenco de alternativas para contornar um cenário marcado por um vigoroso crescimento nas despesas, sem ter em contrapartida um crescimento correlato das receitas. Apesar das reformas nos três regimes – no Regime Geral de Previdência Social, nos Regimes Previdenciários dos Servidores Públicos, e no Regime de Previdência Complementar – terem sido significativas nos anos mais recentes, uma parte ponderável dos especialistas considera ser necessário persistir nesse esforço para evitar a inviabilidade atuarial, que ainda representa uma séria ameaça.
Diante disso, a cada crise instalada no país, mesmo advinda de densidade política, recheada de ódio e revanchismo, mas que cria um círculo vicioso entre mercado financeiro e atividade econômica, porém, sempre em prol dos rentistas (haja taxas de juros!!!), acaba resultando em propostas de reformas sociais, como sempre, para punir o trabalhador. E esse constante movimento de desconstrução da rede pública de proteção social e dos mecanismos de efetivação da cidadania e dos direitos sociais e coletivos está identificado diretamente com as ações do sistema de Seguridade Social. Afinal, é com os recursos do Orçamento da Seguridade Social que se forma a base para materializar a rede de proteção social.
Os opositores do sistema estatal de Seguridade Social (conjunto de ações envolvendo saúde, previdência e assistência social, com financiamento por várias fontes de receitas, conforme determina o art. 195 da Constituição Cidadã, de 1988) apontam para a insolvência ou, ainda, a ineficiência do sistema, questão até agora não comprovada. Apontam para um pseudo déficit no subsistema previdenciário, cotejando somente as contribuições da folha de salários com todos os pagamentos dos benefícios, urbanos e rurais, e esquecem que a Seguridade Social, previdência incluso, tem seguidamente superávit, sustentando outras ações.
É importante salientar que a materialização da maioria dos direitos sociais advém do orçamento da Seguridade Social, tais como: o reconhecimento do salário mínimo enquanto piso de benefícios; a universalização da previdência rural; a implantação dos benefícios assistenciais de natureza continuada; a universalização, a descentralização e a municipalização da saúde; a implantação dos fundos nacionais, estaduais e municipais – para facilitar o controle social sobre os recursos vinculados a essas ações e sobre as despesas que canalizavam esses recursos; a implantação de conselhos de controle social, com poder de intervenção na gestão e na definição de políticas. Mesmo em outras áreas de governo, muitos direitos e políticas sociais saíram do papel porque contaram com recursos da Seguridade, como a merenda escolar, as políticas de valorização do trabalho, de reajustes reais para o salário mínimo, bolsa família etc.
Infelizmente, diversos pontos não avançaram. A alegação de falta de recursos sempre foi utilizada para negar o adequado financiamento para a saúde e para inibir ou conter a expansão da assistência social, mesmo diante de sinais evidentes de retrocesso médico-sanitário e dos alarmantes índices de miséria e fome. Com a previdência não foi diferente, pois até hoje ainda padece de equiparação com mesmo índice do salário mínimo, além de um grande número de pessoas fora do sistema. Ademais, é imperioso que para qualquer ajuste que se faça no sistema de seguridade social, especificamente da previdência, deva-se discutir temas para retomada do investimento público e privado, nas mais diversas áreas, além de recompor as receitas previdenciárias, através de renúncias de contribuições patronais, reequilíbrio da previdência rural, até a desoneração da folha de salários.
A defesa da Seguridade Social, do seu orçamento e das suas fontes exclusivas de financiamento é dever de todas as entidades e setores organizados da nossa sociedade que lutam pelos direitos sociais. Implementar reformas que desconstituam a Seguridade Social pode ser o primeiro passo para a retomada do discurso da necessidade de reforma da previdência, da assistência e possíveis diminuições de recursos à saúde.
Seria importante e inteligente que, ao invés de segmentar o sistema de previdência, segregando suas políticas às suas execuções, fosse criado o Ministério da Seguridade Social, como está definido na Constituição, com as respectivas fontes de financiamento, e que fosse tratado como um sistema de política social e solidário.
O esclarecimento da sociedade, a articulação de seus atores e a capacitação para uma intervenção consciente são fundamentais para a defesa de uma sociedade mais justa e igualitária. Com a palavra: “o trabalhador”.
Arquivo: Texto Floriano Jose Martins ACAFIP
Fonte: http://www.acafip.org.br/?p=2146